quarta-feira, 31 de março de 2010

Nomeie depois de ler

Quero escrever uma carta suicida. Hoje é um sábado ensolarado, e isso ainda sei descrever. Meus sentidos parecem funcionar como a ciência redige cada prescrição inovada que institui. Ao meu redor os raios solares penetram num esplendor sinistro e fixam na minha derme por alguns instantes que me ferve o corpo. É um dia ensolarado e os carros correm em direção às compras, aos supermercados envenenados de promoções, aos fast-foods, às suas casas, às praias, às mortes. Eles correm em direção a morte, mas juram gozar da vida. Caminhando por entre as sombras algumas mães, alguns filhos, alguns empregados, alguns “sem título”. Devem ter a Identidade. São cidadãos (isto foi um amigo que disse)! Os que perambulam não, estes não tem e tampouco querem (isto é o que eu escrevo em uma carta suicida). Por isso não quero teu acato, leit@r, se não concordas. Quero escrever para que me compreendas no último fio que me segura a existência e me envolve pelos contratos estabelecidos enquanto vivi. Alguns registrados em livros gigantes (conheci em um cartório pesquisando certidão de óbito, são muito grandes, e as meninas que lá trabalham quase não conseguem carregar), outras relações de gente, outros apenas de papo, de sala de aula, de vizinhança, de sobrevivência. Cansada. Acordar quando deseja o sonho, sonhar quando deseja estar criando. Correr porque o sinal fecha, pagar quando o sinal indica o número. Sorrir quando a roda força, forçar quando chorar não faz sentido. As linhas são retas e quando entortam é preciso seguir. Que merda! Eu não quero! Desculpas não me preenchem mais, minha vida é boemia na inserção de Agá-dois-ó: câmera Agá-dê, Agá-dê de muitos gigabytes. Humanidade, esse é um Agá-dê-merda! O mundo não é o meu prédio. Meu prédio é uma boemia.
O prédio é uma pira, uma merdinha forrada de cimento e tinta moldando pessoas que não expelem o que lhes afligem: nenhum grito de prazer. E todos gritando pra que se pare de gritar pelo parar de gritar. Moro lá, ou sou parte dele (Isto era pra ser uma pergunta). Uma pedra. Um escombro. Sou uma suicida em um prédio suicida.
Neste exato momento alguns seres humanos agonizam em sua hora de morte. Cada um em suas condições. Uns em um hospital de altíssima tecnologia, com os familiares ao seu redor e o padre ungindo dos pecados. O outro era soldado, morrendo pela pátria, sem ninguém. Uma criança em uma catástrofe da natureza. Um velho em um acidente. Um pássaro que chocou com um carro espatifando-se no asfalto. O verme que morreu com todos eles. Olha! O verme é o derradeiro a morrer! Pior que verme, todos somos pior que verme. Pior não seria a palavra certa, e nem certa eu seria se dissesse que não fosse pior. Então que fique em prol da linguagem e que julguem através do ‘prazer comunicado’.
Esta parte da carta suicida, é o espaço em que eu descrevo a minha vida








Como mencionado acima, muito vivi.
Sarcasmo e deboche são como Vodka para quem nunca havia bebido nada com teor alcoólico antes. Inundante. Entorpecente que se leva em baixo dos braços para as filas, dos ônibus, dos postos de saúde. É com isso que se lê os jornais e apenas com isso que se repete a leitura das mesmas colunas. E se continua a ler isto.
Uma carta suicida reclama de tudo. Não reclames, leit@r se isto lhe fere a alma. Não reclames se isto nada lhe fere. Escolheste ler. Não é uma carta endereçada, não é direcionada. A solidão a acompanha, assim como acompanha a morte pensada por si mesma. Covarde ou corajosa? Nunca desvendei o mistério, nem me orgulho de ter de me conceituar em um dos termos. Que a morte seja plural, que seja singela.

- E todos voltaram com as flores e deixaram seus violões. A chuva apagou os toques e inchou as madeiras. Cantaram aquelas canções nada convencionais e planejaram a ira de milhares, trazendo à tona as angústias de muita gente. Um copo de plástico decorava a sepultura que era de um cinza chapado, que se via sobrepondo as vontades de um cadáver que nada mais queria, a não ser voar e se esfarelar em pedaços de sentimentos vividos.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Utilidade e vontade.


Bem ultimamente venho me questionando sobre a vontade, e questionando o porque de tudo ter uma utilidade. Talvez nós damos a utilidade para as coisas, e tudo seja tão útil quanto inútil. Agora a questão da vontade me continua uma incógnita. Há produtos que tem suas embalagens projetadas de tal forma, que acabam despertando em nós uma vontade de comprar aquilo (o famoso caso do Mac Donald’s). Ao mesmo tempo que nossa vontade pode ser produzida, ela é a melhor justificativa (vontade, desejo) para fazermos algo “irracional”, se eu quiser me jogar num lago para tomar banho no inverno e disser que fui porque me deu vontade, será perfeitamente justificado, mesmo comumente não fazendo sentido algum. Ao mesmo tempo criamos a idéia de que tudo deve fazer algum sentido – logo ter uma utilidade.

Chega, fiquem com o confuso texto.

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Para que sirvo? Para nada talvez... Não sinto vontade alguma, nem de dormir, nem de ficar acordado, nem de escrever, nem ler, nada. As coisas perderam a sua aura. A cerveja, o livro, o café, a música, todo o meu cotidiano. Minha vontade de liberdade também se foi. Só restou a preguiça, mas perdi a vontade sobre ela igual como perdi a sobre a arte.

É preciso se enganar para pensar que a erudição, a arte, podem ser tudo. Poderia viver numa cápsula de felicidade e desconhecer arte e erudição, mas isto também denota uma grande capacidade de se enganar.

Agora estou sem um pingo de vontade – nem sei porque escrevo – e me pergunto de onde vem a minha vontade, ou falta dela. Minha vontade é igual a de uma crinaça, um aborígene, a de um homem do século XII? Qual era a vontade (e desejo) dessa gente?

Alguma parte do meu corpo sempre coça, no braço, cabeça, perna ou bunda... sempre coça. Então eu coço, e matando a coceira aqui, brota uma nova ali. Então porque coço? Pelo mesmo motivo de minha existência, por nada, por minha vontade.

No entanto o que eu percebo é que tudo isto é nada porque eu quero. Só há significado na erudição e arte porque dou este significado a ela. E a mesma coisa serve para a cápsula que vem a ser a vida pacata e ordeira de um trabalhador, dono de seu negócio ou não, ele que lhe dá significado a aquilo, assim como eu dou.

Queria pintar, não sei pintar, já quis ser poeta, mas não sou poeta, tento uma infinidade de outras coisas que talvez não seja. Mas o que eu sou então? Além do homem sem vontade há algo!

Simplesmente não sei responder...

10/02/2010