quinta-feira, 10 de junho de 2010

Entrevista com antoine Pettit

MARIE BOURDEAUX: Antoine, em seu último livro você fala de um sujeito que lê escrito num muro a frase de Nietzsche “Deus está morto”, e partindo do choque que ele sofreu ao ler essa frase, ele muda sua forma de pensar e entra em contato com a intelectualidade. Muitas pessoas viram nisso uma apologia ao vandalismo, como se pichar fosse algo bom.

ANTOINE PETTIT: Bem, nunca disse que pichar fosse algo bom, se utilizei a frase de alguém tão famoso como Nietzsche, é porque gosto dele, e como já devem ter percebido, não trabalho com a lógica de bem e mal. Nem por isso acho que pichar um muro seja o fim do mundo, veja bem, fazem alguns meses que alguns manifestantes escreviam algo num túnel de Porto alegre. Como de praxe a polícia veio para intervir. Quando chegaram lá perceberam que o que eles faziam era simplesmente limpar com escovões e vassouras a fuligem grudada na parede do túnel. Agora eu lhe pergunto, qual é o grande vandalismo, pintar uma cidade com fuligem, e vez ou outra passar uma tinta de cal para dizer que está branco e limpo, ou alguém buscando espaço para se expressar. Quais locais públicos você pode se expressar sem se curvar a alguém como a mídia por exemplo, que por sinal é o que estou fazendo agora? Já tive livros censurados! Para mim estas coisas podem ser um tipo maior de vandalismo.

MB: Alguns grupos fizeram duras criticas ao seu livro, pois nele seu personagem esnoba várias vezes as outras pessoas por não lerem.

AP:Não sei até onde você leu meu último livro, mas se você perceber bem, o que tentei passar é que todo esse papo de intelectuais, pode soar fascista muitas vezes, excludente demais. Por exemplo, você como jornalista tem um status muito mais válido para vir me entrevistar, e eu como escritor tenho um status válido para falar, e o mais importante, ser ouvido. Meu personagem se torna um grande idiota quando percebe que “está mais inteligente que os outros”, se é que você consegue me entender. Não quis passar a idéia de que ele se torna alguém melhor ao ler livros. Quis passar um pouco a idéia de que ele se utiliza de alguns livros, conversas e experiências, a pichação por exemplo, para pensar sobre si, que tudo aquilo refletia diretamente nele, e ele estava ligado, independente de sua vontade, com o que o cercava. Nisso ele não deveria ter tido as atitudes estúpidas que teve, mas por um lado precisou delas para perceber que era estúpido.

MB: Muitos grupos religiosos o proibiram de ser lido, o acusando principalmente por querer matar Deus, e por sua literatura ter um cunho ateísta.

AP: Nunca disse que Deus não existe, e acredito que nem Nietzsche. Deveriam ler a segunda parte da famosa frase dele.

MB: Há um desgosto da crítica em relação a sua obra, principalmente nos contos, onde eles sempre “estão mais para contos sexuais...”

AP: “...do que literários”, essa eu ouvi falar. Imaginava que uma hora iriam soltar uma dessas. Bukowski por um lado passou por isso, e muitos contos seus realmente eram para publicações pornô. Eu como, não deveria revelar minhas fontes pois assim perco a aura de criatividade, como grande fã dele, nesse ponto acabo falando de sexo. Bem, não é de forma séria como Freud talvez, mas você chama Freud de pornô? Ninguém o chama assim. O lêem, e o lêem sério, eu mesmo já li e as vezes leio. Acabam não me levando a sério talvez por não usar um linguajar mais rebuscado, ele é simples, escrevo como falo, e falo como eu converso. Se eu e você começássemos a tomar um vinho agora, e conversarmos, e depois de algumas taças falarmos sobre sexo, falaríamos como? Não sei talvez eu tenha um problema sério com sexo, penso muito em sexo, em compensação muitas vezes não dou a mínima para sexo. Além do mais, as pessoas gostam de sexo, querem saber sobre sexo, querem falar sobre sexo, desde o discurso aceito, que passa por Freud e a anatomia, até mesmo pela subliteratura, filmes pornôs. Uma vez houve um ciclo de debates em minha cidadezinha, tiveram algumas conversas, a que mais chamou atenção foi justamente a sobre filmes pornôs, não foi a sobre o corpo na educação, na arte, o corpo disciplinado, queriam ver o corpo pornografado. Ainda estou montando minhas peças a respeito disso tudo também, e talvez por isso mesmo, o sexo ocupe uma grande fração de meus temas.

MB: você falou agora a pouco sobre não revelar suas fontes, antes de citar Bukowski como grande influência, o que você quis dizer com isso e qual o papel de Bukowski na sua escrita?

AP: Bem, depois que você lê Fante, querendo ou não Bukowski deixa de ser tão original, mas ainda assim há nele algo de especial que não há em Fante. Li mais Bukowski do que Fante, e Bukowski parece ser mais rufião, indomável e Fante soa mais desesperador. Você já leu 1933 foi um ano ruim de Fante? Dá vontade de chorar, de correr, de fugir. É melancólico. Bukowski nesse ponto não foge muito, se você já teve seus 17 anos, não tinha emprego, não estudava nada, e leu misto-quente, bem, o livro me ajudou muito. As vezes esquecemos que um artista não brota do nada, não saímos por ai fazendo “arte”. Podemos por acidente fazer algo muito legal, mas para se ter consciência, sentar e fazer algo premeditado, isso necessita uma bagagem, e muitas vezes saber o que vem nessa mala, pode parecer como um esvazio de ar num balão. Bukowski é um grande escritor, mas não me baseio só por ele, há escritores teóricos que nunca me são perguntados a respeito por exemplo.

MB: E quais seriam esses escritores teóricos?

AP: Bem, sou influenciado por tudo ao meu redor, as coisas se colam em mim e formam o meu eu. É assim que formamos nossa identidade. Porque perguntamos que pessoas influenciaram, e nunca o que, ou melhor, que sensações. Nunca conversei com Dostoievski ou James Joyce, mas eles estão ali. Agora porque eles me influenciam mais que Robert Louis Steverson? Acredito que é devido as sensações que eles me passaram, as sensações ao ler o livro, ao terminá-lo. As sensações derivadas do que ficou martelando em minha cabeça, do que eu fiquei pensando depois de ler o livro. Meu último livro tenta falar disso quando o personagem lê a pichação, quando conversa com as pessoas, quando observa o cotidiano, e nisso ele vai chegando a lugares. Baudeleire se utiliza dessas trivialidades para escrever sua obra, porque a passante de seu poema não ficou famosa por o ter influenciado, sem ela ele nunca escreveria aquele poema, assim como sem os livros que lera, e as discussões que tivera. Você já viu irmãos gêmeos? Por mais parecidos, semelhantes, eles nunca são iguais, e não falo só da parte física, ele pensam diferente, agem diferente, cada um deles teve suas sensações, passaram por experiências diferentes. Isso tudo vai nos marcando. Acredito que mesmo se eu nascesse novamente, na mesma família tempo, espaço e tudo igual ao meu primeiro nascimento, eu chegaria a algum lugar diferente, pois em algum momento algo diferente aconteceria, como acontece agora. E mesmo se não ocorresse nada, o tédio me ocorria, e aí já é algo que me ocorreu. Bem, mas você ainda quer saber a respeito de quais são esses autores teóricos. Como sabe passei pela universidade, pretendi durante um tempo seguir carreira, mas acabei desistindo por vários motivos, entre eles o fato de ter conseguido caminhos mais interessantes. Talvez pela minha fala, você identifique certos autores, desde os literários que já citei e os teóricos. Estudei durante um tempo o idioma do alemão, do qual não domino muito bem, mas o que importa é que estudei este idioma tão difícil e nada bonito como o português ou o francês, devido a minha fixação pela filosofia alemã. Principalmente Heidegger e Nietzsche. Também há algo interessante em Kant, mas ele é mais monótono, mesmo assim gosto dele. E não pense que por isso sou um grande conhecedor desses pensadores. Há um pensador francês que se utiliza em alguma medida desses três autores que citei. Não que ele seja um discípulo deles, mas ele se investiga sobre a esteira deixada por eles, que no caso seria Michel Foucault, este para mim é um dos maiores pensadores, por vários motivos, mas nem por isso tiro o mérito dos outros, e também procuro tomar certo cuidado com essa minha fixação. Em certa medida outro alemão, Marx, mas não tanto quanto se gostaria. Não me vejo como um Marxista ou Marxiano, me vejo bem longe disso. Poderia citar uma infinidade, como Roger Chartier, as leituras de Chartier foram importantes para mim, percebe-se algo dele toda vez que falo sobre livros. Me utilizo muito da história para escrever minhas obras, e nisso as reflexões abertas pela escola de annales são fundamentais. Mas não só de livros, a minha concepção estética e visual é muito influenciada pela Bauhaus, o diretor polonês Kieslowski também consegue me desafiar... vários autores, poderia citar um infinidade, mas talvez por esses me virem a mente imediatamente, sejam os mais marcados em mim.

MB: algumas pessoas lhe vêm como um cronista, outros como um contista, pois consideram seus romances insuficientes, outros já um romancista, alguns conhecem seus poucos poemas e dizem que você é um poeta nato, outros dizem que você simplesmente não é intelectual algum. Como você se define?

AP: Como um escritor. Eu simplesmente escrevo, não é o fato de eu saber que aquilo é um conto ou um romance ou crônica ou prosa, não vou sentar e pensar “quero escrever uma prosa”, e ai então escreverei uma prosa. Sento e escrevo, apenas isso. E quanto a imagem do intelectual, como um grande conhecedor, não me agrada muito, geralmente converso com pessoas sem diploma e tenho conversas maravilhosas, outras vezes o sujeito é professor universitário e fala besteiras terríveis!

MB: Durante seu tempo na universidade, como foi para você esta experiência?

AP: Há algo que eu não suporto em instituições de ensino, o problema do comte-údo, de Auguste Comte mesmo. Você ter que ser obrigado a estudar algo. Já é terrível cobrarem nota, depois diploma e todo esse ciclo sem fim. Me incomoda esse problema, sempre. Não por acaso que chegamos em dado momento de nossa vida, e não sabemos o que pensar, o que fazer, de tanto tempo acostumados a ouvir alguém falar para nós o que devemos fazer, ficamos desorientados ao não ouvirmos ordens. Isso é de uma violência tremenda, por isso acredito que vivemos em tempo de apatia e não de paz.

MB: Você é a favor da guerra?

AP: Sou contra a violência, sou um sujeito muito pacífico. Esquecemos que vivemos em um tempo seguro como nunca, e mesmo assim achamos que está tudo violentíssimo. Por exemplo, ao assistirmos um dos vídeos de Hitler ou Mussolini discursando, ficamos assustados, igual como quando eu era pequeno e ficava com os do Enéias. O que esquecemos é que na época de Hitler, seu discurso convencia a todos, fazia a platéia se emocionar. Era uma boa oratória na época, hoje se eu aumentar o tom de voz, já me chamam de violento. Mas não nos preocupamos com as prisões que cometem a violência de isolar as pessoas, as deixar a pão e água, as escolas que obrigam a uma criança que nada pode fazer contra, a ficar parada, e não se mexer, a obedecer. Não nos preocupamos com pessoas uniformizadas e armadas e treinadas para matar e machucar, a polícia ou exército, ou os seguranças em algum lugar. As câmeras nos filmando o tempo todo. A poluição que soltamos na terra, que é muita. Isso tudo é de uma violência incrível. Poderia citar mais outros tantos exemplos, tudo isso é aceito, e talvez por isso sejam coisas tão violentas. A maior violência dessas coisas é o fato de elas serem aceitas, e pedidas. Acho incrível como se investe em prisões mesmo sabendo que elas não surtem o efeito discursado como desejado. Neste ponto deveriam aprender com o empresariado, se você investe num setor que não lhe dá algo que você quer, você para de investir nele não é mesmo? Ou será que eles sabem muito bem como a prisão funciona e a mantém, justamente porque querem ela exatamente como ela é, eles têm assim um ambiente cheio de “argumentos” para justificar a presença daqueles homens armados entre nós? A guerra é a política por outros meios, ou a política é a guerra por outros meios... isso me parece tão complexo quanto a questão do sexo.

MB: E como é o seu lado político?

AP: Basicamente falei do meu lado político até agora.

MB: Algumas vezes grupos feministas o acusam como um machista e sabe-se que o público feminino não é grande fã seu, mas como você se define?

AP: Nunca quis ser machista. Porém há um problema que me incomoda muito, fui criado num mundo machista e para ser machista. Por mais que eu tente há marcas no me corpo que indicam isso, e vez por outra elas podem se refletir em algum lugar. Porém também não podemos forçar nossa vista para utilizar alguns óculos, os livros são isso. Talvez pessoas não gostam do que eu escrevo, mas forçam em me ler por algum motivo, e ficam bravas e interpretam da forma que eu não gostaria. Por enquanto não é um grande problema, ninguém me bateu na rua por exemplo. Também prefiro que entendam como quiser o que eu escrevo, não esquecendo que essa é sua interpretação e que quero dizer algo. As vezes também não quero dizer nada, só quero fazer uma história legal o suficiente para ser lida. Não concordo com a idéia das coisas terem sentido o tempo todo. Quanto ao público feminino, não sei porque não me lêem, talvez pelo fato de vivermos numa sociedade tal que divide as coisas entre as de menino e as de menina. Não nego diferenças entre os dois sexos, mas até onde isso não é construído? Porque também quando uma autora é famosa por seu público feminino este tipo de pergunta não surge? Fico abismado com o movimento histórico que ocorreu devido principalmente as duas grandes guerras. Como se sabe os maridos iam para o front enquanto as mulheres e crianças ficaram. Como a maior parte dos homens estava se arrebentando e morrendo nos campos de batalha, alguém tinha que produzir as munições, comidas, roupas, já que não paramos de consumir estas coisas devido a uma guerra. Nisso as mulheres puderam ocupar massiçamente o mercado de trabalho. Seu numero só foi aumentando, descobriram até mesmo vantagens em se ter mulheres trabalhando, além do fato de aceitarem trabalhar por menos. Okay, acho muito legal tudo isso, hoje é normal mulheres saberem ler e escrever, até mesmo podem fazer faculdade. Mas ainda devem cuidar da casa, ter filho, casar... e todas essas coisas ditas “de mulher”. Pouco se fala desse tipo de machismo.

CHARLES STEHL: Nós só queremos agradecer o tempo cedido, e lhe dizer que foi uma ótima entrevista.

AP: Vão me mandar uma cópia depois? Quero ver o que vão fazer com o que vou falar.

CS: Sim enviaremos, e não se preocupe, será publicado a entrevista integral.

AP: Até mesmo agora que estamos conversando?

MB: Se você quiser sim.

AP: Quero!

2 comentários:

  1. gostei da postura desse tal Antoine Pettit.
    sabe expor bem suas palavras, vou procurar mais, hein!

    hihi :D

    ps: bela imagem! :*

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  2. Antoine!! Pena ser tão difícil encontrar material a respeito dele. Ainda vive o sujeito!
    Tenho apenas um livro seu, são difíceis de achar e caros :$

    Procurando algo dele, aqui encontrei!

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